CONEXÕES CEREBRAIS NOS SERES HUMANOS
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BOLETIM JULHO
As noções de anatomia e neuroanatomia nos cursos da área de sáude, frequentemente, são ministradas nos primeiros anos da graduação. Apesar de essenciais, talvez nem todos tenham condições de assimilar todo o conteúdo em um momento tão inicial da formação. Depois, possivelmente, percebam o quão importante foram aquelas aulas na faculdade. E não é incomum a necessidade de revisar o conteúdo e aprofundar o tema.
Existem muitas publicações sobre as estruturas e componentes que são essenciais para o funcionamento do cérebro humano. Entretanto, de acordo com Rushmore et al (2020), compreender a estrutura do cérebro humano continua sendo uma das questões mais desafiadoras da neurociência humana. A estrutura fundamental do sistema nervoso central humano, em particular, a conectividade estrutural do cérebro ainda não está completamente delineada.
Compreender esta conectividade cerebral é extremamente difícil, visto que, os estudos, normalmente, são realizados com material doado pós-morte. Atualmente, com o avanço da tecnologia, os modelos de investigação puderam evoluir sendo realizados em seres humanos vivos, por exemplo, por meio dos sistemas de ressonância magnética funcional. Cabe, entretanto, ressaltar que o acesso a este tipo de tecnologia ainda é incipiente devido o alto custo.
Os estudos já desenvolvidos ressaltaram que a substância branca é um componente de extrema importância no processo das conexões cerebrais, visto que, ocupa grande parte do sistema cerebral. A substância branca é composta por axônios e bainhas de mielina que juntos formam fibras sendo necessária a integridade destas estruturas para uma eficiente conexão cerebral. As fibras podem ter diferentes formas de orientação (direção) e sabe-se que, os sistemas de imagens conseguem fazer uma melhor análise nos conjuntos de fibras que são mais robustas, um bom exemplo, são os métodos de tractografia que nos auxiliam na visualização deste conjunto de fibras.
Mas qual a relação das estruturas e conexões cerebrais com a audição?
Existem estudos que utilizaram estudos de neuroimagem com o objetivo de correlacionar os problemas auditivos com prováveis alterações na substância branca. E foi constatada alterações macroestruturais, ou seja, um menor volume de substância branca em indivíduos com deficiência auditiva. Os resultados destes estudos indicam que as propriedades microestruturais da substância branca podem ser diferentes em pacientes com perda auditiva.
A hipótese é que a falta de estímulos auditivos ao nascimento pode levar a redução do volume de substância branca, provavelmente, pelo menor número de fibras associado a menor mielinização das conexões cerebrais quando se refere a estimulação acústica. O que pode ser confirmado por uma pesquisa da análise da citoarquitetura cortical em animais com deficiência auditiva sendo documentado alterações morfológicas nos tratos de fibras corticais, sendo estas, menos robustas quando comparado com os seus pares com audição dentro da normalidade.
O envelhecimento também causa mudanças importantes na citoarquitetura cortical. A deficiência auditiva nos idosos normalmente é associada a alterações estruturais e funcionais das células sensoriais presentes na cóclea. Entretanto, os estudos sobre o tema vêm demonstrando que alterações periféricas, mesmo que de grau leve, podem modificar a estrutura cerebral e causar diversas alterações anatômicas e funcionais, que vão muito além das áreas subcorticais e corticais auditivas.
Ao avaliar por meio da Eletroencefalografia (EEG) a conectividade cerebral de indivíduos com perda auditiva relacionada ao envelhecimento, pesquisadores descobriram alterações não só em áreas cerebrais relacionadas com a audição, mas no cérebro como um todo. E quando avaliaram a percepção auditiva em situações de ruído identificaram menor atividade cerebral, perda de inervação sensorial, extensões de afinamento cortical, entre outros. Além disso, o envelhecimento leva a uma menor flexibilidade perceptivo-cognitiva, bem como mudanças globais da dinâmica cerebral.
Em indivíduos com deficiência auditiva e zumbido, estudos demonstram que há alterações na sincronia neural das áreas corticais auditivas e que a conectividade funcional encontra-se significativamente reduzida entre o colículo inferior e o córtex auditivo, indicando uma falha no bloqueio talâmico. Além disso, o volume anormal de substância cinzenta e a hiperatividade dessa área está associada à função anormal do tálamo, gerando o zumbido.
Um aspecto importante e que, atualmente, tem chamado atencional é o fato e que parece existir uma forte correlação entre a deficiência auditiva e problemas no equilíbrio. Estudos de neuroimagem que envolveram indivíduos com deficiência auditiva mostraram que parecem existir alterações nas conexões cerebrais que envolvem as fibras do trato corticoespinal e do corpo caloso, estruturas estas, que atuam no funcionamento das função motoras, linguísticas e visuais.
A realidade é que ainda temos muito a aprender sobre as conexões cerebrais e, portanto, o aprendizado da anatomia e neuroanatomia deve ser um constante. E se fosse possível deixar um conselho aos alunos que, porventura, venha a ler este boletim seria… Aproveite ao máximo suas aulas de neuroanatomia e neurofisiologia pois elas serão realmente de grande valia no seu futuro.
Referências consultadas:
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Rushmore RJ, Bouix S, Kubicki M, Rathi Y, Yeterian EH and Makris N (2020) How Human Is Human Connectional Neuroanatomy? Front. Neuroanat. 14:18. doi: 10.3389/fnana.2020.00018