EFEITOS DA OTOTOXICIDADE NO SISTEMA AUDITIVO
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O avanço da tecnologia farmacêutica permitiu o desenvolvimento de medicamentos que possibilitaram uma melhoria na sobrevida e na qualidade de vida dos pacientes. Entretanto, alguns tipos de medicamentos podem ocasionar algumas intercorrências no corpo humano.
Medicações específicas podem ocasionar prejuízos no Sistema Nervoso Auditivo Central sendo denominadas como medicações ototóxicas. As manifestações e sintomas são diferenciados para cada indivíduo, podendo aparecer de forma rápida ou gradativa; além de poderem ser reversíveis ou irreversíveis. Portanto, existe uma alta variabilidade entre os indivíduos na sintomatologia que pode ocorrer em virtude das diferenças nos fatores genéticos, farmacocinética, metabólica, estado do indivíduo e condições médicas.
A ototoxicidade pode ser definida como um transtorno funcional e uma degeneração celular nos tecidos que compõe a orelha interna em decorrência da atuação medicamentosa que pode resultar em alterações auditivas e vestibulares. Abaixo serão descritas as drogas ototóxicas que podem ocasionar alterações nas estruturas cocleares, sendo elas:
- antibióticos aminoglicosídeos (como a Gentamicina e a Amicacina entre outros);
- Outros tipos de antibióticos (Vancomicin entre outros);
- Agentes tópicos (Antissépticos, antifúngicos, antiinflamatórios entre outros);
- Diuréticos (como a Furosemida entre outros);
- Agentes quimioterápicos [como a cisplatina entre outros);
- Antimaláricos
Frequentemente, há questionamentos sobre a continuidade do uso destas medicações sabendo da existência de possíveis danos cocleares. Entretanto, cabe salientar que as medicações descritas acima apresentam uma grande eficácia no tratamento de diferentes patologias, entre elas, patologias extremamente sérias que podem levar a mortalidade. Assim, tendo em mente que certas medicações são essenciais dentro de um sistema de tratamento para garantir a vida de um paciente, seria de extrema valia que existisse um amplo conhecimento entre diferentes profissionais de saúde associada a uma orientação adequada das consequências do uso das medicações ototóxicas para os pacientes e seus familiares.
Com o intuito de prevenir as perdas auditivas decorrentes do uso das medicações ototóxicas deve-se seguir as diretrizes estabelecidas.
O monitoramento audiológico para ototoxicidade é realizado visando dois propósitos: (1) detecção precoce de alterações na audição decorrente a um tratamento medicamentoso e (2) intervenção audiológica quando identificada uma perda auditiva. Cabe salientar que o termo “monitoramento de ototoxicidade” é geralmente usado para expressar o princípio da identificação precoce, mas o conceito também contempla o princípio da intervenção precoce. Por exemplo, quando as mudanças são detectadas precocemente, o médico pode ser alertado para que sejam inseridos protocolos de tratamento alternativos, assim, medicamentos menos ototóxicos deveriam ser considerados.
Dentro do universo dos cuidados intensivos neonatais, não é incomum, o uso de medicações ototóxicas, deste modo, o monitoramento audiológico a longo prazo é vital, uma vez que, a perda auditiva neurossensorial geralmente é progressiva e de início tardio. O efeito da perda auditiva tardia pode ser devastador pois pode propiciar dificuldades de fala e linguagem, resultando em dificuldades de aprendizagem e relacionamentos sociais. Um estudo multicêntrico realizado no Canadá realizou um detalhado monitoramento audiológico de neonatos, que foram tratados com medicações ototóxicas no período neonatal, até completarem os quatro anos de idade. Um número grande de crianças apresentou avaliações comportamentais e eletrofisiológicas dentro dos limites de normalidade nas avaliações iniciais, apenas 7% das crianças tiveram respostas alteradas nas primeiras avaliações auditivas (neonatais). Todavia, com o decorrer do tempo e a continuidade do processo de monitoramento auditivo foi possível confirmar diferentes tipos de alterações auditivas.
As alterações auditivas oriundas das drogas ototóxicas na cóclea já são conhecidas, ou seja, as células ciliadas localizadas na base da cóclea são as primeiras a serem afetadas e ocasionam um prejuízo nas altas frequências. Posteriormente, podem ocorrer lesões nas células ciliadas localizadas na área medial da cóclea acarretando alterações nas frequências medianas e progredindo até a região apical da cóclea que corresponde as respostas de baixas frequências. Sabendo que existe um percurso pré-determinado dos possíveis danos cocleares, o monitoramento da ototoxicidade pode ser planejado e bem coordenado visando a identificação precoce das alterações nas altas frequências.
Nas últimas décadas, surgiram três abordagens principais para o monitoramento audiológico da ototoxicidade: a avaliação audiológica básica, a audiometria de altas frequências (AAF) e a avaliação das emissões otoacústicas (EOA). A escolha dependerá do objetivo de cada programa de monitoramento podendo ser realizado de forma independente ou mesmo associados. A avaliação inicial deve ser a mais completa e abrangente possível incluindo a maior quantidade de exames que o paciente seja capaz de realizar. Assim, como as altas frequências são as primeiras a sofrerem os danos, faz-se necessária a avaliação das emissões otoacústicas por produto de distorção (EOAPD) com amplo espectro de frequências associada a timpanometria em neonatos e crianças pequenas, ao passo que, a utilização da audiometria de altas frequências deveria ser associada as EOAPD quando o paciente tiver condições de uma resposta comportamental confiável.
A avaliação de crianças maiores e adultos pode incluir limiares de tons puros na faixa de frequência convencional, logoaudiometria, AAF, timpanometria e avaliação das EOAPD. A avaliação audiológica básica continua sendo uma parte importante do monitoramento da ototoxicidade. Entretanto, a avaliação audiológica básica convencional limitada a 8000Hz pode não ser capaz de identificar os processos iniciais da ototoxicidade. Uma das principais vantagens do AAF sobre a avaliação das EOA é a existência de critérios bem estabelecidos com excelente especificidade e sensibilidade, ao passo que, para o uso das EOA há uma variedade de critérios, porém, nenhum com aceitação universal. Desta maneira, a sensibilidade e especificidade das EOA precisa ser documentado em populações de pacientes em grande escala.
Este boletim mostra que existe um enorme empenho na identificação e monitoramento de pacientes que fizeram uso de medicações ototóxicas, porém, este tema ainda tem muitas questões a serem levantadas, questionadas, trabalhadas e aprimoradas para que estes pacientes possam se beneficiar da essencial intervenção medicamentosa minimizando os possíveis danos no sistema auditivo.
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